A notícia-crime, quando bem estruturada, é uma ferramenta poderosa na defesa de vítimas de crimes patrimoniais. Mais do que relatar fatos, ela organiza provas, articula juridicamente a narrativa e permite respostas mais rápidas e eficazes do sistema penal.

No futebol, a filosofia de jogo de Johan Cruyff — ex-jogador e técnico holandês que revolucionou o esporte com seu pensamento estratégico — pode ser resumida assim: jogada que começa bem tende a terminar bem. No processo penal, a lógica é semelhante.

Seja empresa ou pessoa física, quando alguém é vítima de um crime patrimonial, a forma como o caso começa — a qualidade da informação, a organização das provas, a estratégia adotada — impacta diretamente a agilidade e a efetividade da resposta do Estado.

Notícia-Crime: de Formalidade a Estratégia

Durante muito tempo, a notícia-crime foi tratada como um “BO com papel timbrado”: uma peça genérica, com resumo dos fatos, cópias avulsas e testemunhas indicadas — muitas vezes começando pelo próprio representante da empresa.

Esse modelo se tornou obsoleto. Com o avanço das investigações particulares e o respaldo do Provimento n.º 188/2018 do Conselho Federal da OAB, a notícia-crime passou a ser uma peça processual estratégica, com narrativa robusta, provas reunidas, pedidos cautelares fundamentados e articulação jurídica clara.

Em vez de apenas pedir a abertura de inquérito, ela estrutura a persecução penal desde o início. É nesse sentido que a notícia-crime na defesa de vítimas de crimes patrimoniais se mostra cada vez mais relevante.

A Investigação Particular Como Fase Zero

O papel do advogado da vítima se expandiu. A investigação defensiva deixou de ser exclusividade da defesa técnica do réu. Quando realizada com técnica e responsabilidade, ela também serve à vítima, permitindo:

  • ouvir voluntariamente testemunhas;
  • reunir documentos internos;
  • consolidar cronologias e fluxos financeiros;
  • indicar provas digitais disponíveis;
  • demonstrar autoria e materialidade desde a origem.

Com isso, a notícia-crime ganha densidade. E pode inclusive suprir as exigências do § 5.º do art. 39 do Código de Processo Penal, que autoriza o oferecimento da denúncia sem inquérito policial, desde que haja prova da materialidade e indícios suficientes de autoria.

E se o Ministério Público não dispensar o inquérito?

Mesmo que o Ministério Público opte por remeter o caso à delegacia, a notícia-crime na defesa de vítimas de crimes patrimoniais continua útil. O delegado recebe material filtrado, investigado e organizado, o que reduz o tempo de apuração e direciona os esforços investigativos.

Isso desafoga a investigação, dá celeridade ao procedimento e aumenta as chances de uma resposta penal proporcional e eficaz.

No fundo, trata-se de inverter a lógica da inércia. Em vez de aguardar que o Estado descubra o que aconteceu, a vítima passa a conduzir — com técnica e responsabilidade — a apresentação inicial do caso, oferecendo às instituições os instrumentos necessários para agir com firmeza e agilidade.

Por que isso é especialmente importante quando a empresa é vítima?

A ideia de que apenas pessoas físicas podem ser vítimas no processo penal é equivocada. Pessoas jurídicas também são titulares de bens jurídicos penalmente protegidos, como patrimônio, reputação, sigilo empresarial e integridade institucional.

Furto, estelionato, apropriação indébita, concorrência desleal e outros crimes afetam empresas com frequência — e intensidade. Mas para que a resposta penal seja eficaz, não basta o reconhecimento formal da condição de vítima: é preciso que a atuação jurídica comece estruturada, desde o primeiro passo.

Quando a empresa é a parte lesada, a importância de uma notícia-crime bem construída se multiplica. Isso porque, por sua própria natureza — uma ficção legal —, a pessoa jurídica não tem voz direta no processo. É um dos dilemas da dor da vítima em meio ao labirinto do sistema penal.

A notícia-crime na defesa de vítimas de crimes patrimoniais resolve esse problema: dá forma e direção à manifestação da vítima, substituindo o improviso por estratégia e técnica.

E quando a notícia-crime viabiliza um acordo?

Há um elemento adicional que não pode ser ignorado — sobretudo em crimes patrimoniais. Em artigo anterior, discutimos as possibilidades de encerramento de um processo criminal por meio de acordo, quando a empresa figura como investigada.

Mas os acordos também podem ser de interesse da empresa quando ela é a vítima. A depender do caso, uma notícia-crime tecnicamente construída pode conduzir rapidamente à celebração de um Acordo de Não Persecução Penal — instrumento que exige, como um de seus requisitos, a reparação integral do dano causado.

Ou seja: uma notícia-crime bem formulada pode não apenas desencadear a investigação, mas resultar, em pouco tempo, na restituição dos valores subtraídos da empresa. É mais do que iniciar bem o jogo — é conduzi-lo com inteligência até um desfecho justo e eficaz.

Conclusão: Quem Começa Certo, Conduz Melhor

No processo penal, a lentidão do sistema é um fato. E isso não decorre de desídia ou descaso das autoridades, mas do enorme volume de trabalho, especialmente nas delegacias.

Mas quando a vítima, por meio de sua assessoria jurídica, inicia o caso com clareza, provas e fundamentação, a autoridade policial, o Ministério Público e o Judiciário têm condições de agir com mais rapidez.

A notícia-crime deixa de ser apenas um pedido e passa a ser um movimento de ataque bem articulado.

Como na estratégia futebolística de Cruyff, uma jogada bem construída desde a origem aumenta — e muito — as chances de um final justo e efetivo.