Poucas situações são tão desconcertantes quanto ser despertado pelo interfone anunciando uma busca e apreensão: o que fazer nessas primeiras frações de segundo? Nesse instante, o pânico ameaça ditar o rumo dos acontecimentos; ainda assim, é justamente a calma — e não a adrenalina — que preserva seus direitos.
O objetivo deste artigo é demonstrar, de forma clara e fundamentada, como proceder desde o primeiro contato com a autoridade até a saída dos agentes, evitando equívocos que possam agravar o cenário. Todas as orientações têm base legal e refletem a experiência prática da Lucchesi Advocacia na condução de investigações complexas.
Por que a polícia pode entrar na sua casa?
A inviolabilidade do domicílio é regra constitucional. A exceção, contudo, surge quando há mandado judicial de busca e apreensão ou flagrante delito. O mandado é mais do que um pedaço de papel: ele materializa a decisão do juiz, descreve o fato investigado, delimita objetos a serem recolhidos e indica o endereço exato. Exigir a exibição desse documento — e fotografá‑lo — não é desconfiança gratuita; é exercício de um direito fundamental.
Assim que o mandado é apresentado, surge para a defesa a oportunidade de verificar a congruência entre o que o magistrado autorizou e o que efetivamente se busca. Diferenças gritantes — como a tentativa de vasculhar locais alheios ao objeto da decisão ou de estender a diligência a imóveis vizinhos — devem ser firmemente contestadas, sob pena de nulidade da prova.
Como agir nos primeiros minutos?
- Confirme identidades — Peça as carteiras funcionais de cada agente e registre nomes e matrículas.
- Comunique o advogado — Envie foto do mandado e localize‑o em chamada de vídeo. Ainda que ele demore alguns minutos a chegar, acompanhará todo o procedimento remotamente.
- Acompanhe a equipe — Circule junto aos policiais; isso inibe abusos e fornece testemunho direto sobre o que foi recolhido. Se permitido, grave discretamente.
Nesse intervalo, evite conversas informais sobre o caso. Comentários soltos costumam ser anotados em relatórios e, mais tarde, interpretados como “confirmações” tácitas.
Limites da busca: o que a polícia pode levar?
O alcance do mandado é técnico, não intuitivo. Se o objetivo for apreender documentos contábeis, revistar armários de roupas não faz sentido. Entretanto, o ordenamento admite o encontro fortuito de provas (plain view): caso os agentes se deparem com algo de aparência criminosa evidente — por exemplo, arma sem registro —, podem apreendê‑la.
A fronteira entre legítimo encontro fortuito e “expedição de pesca” é tênue. Por isso, registre cuidadosamente qualquer ampliação indevida do escopo original. Posteriormente, o juiz avaliará se houve transgressão e decidirá sobre a validade da prova.
Fase oculta x Fase ostensiva
Quem imagina que a busca marca o início da investigação se engana. Antes de tocar à campainha, a autoridade percorreu a fase oculta: análise de cadastros, cruzamento de dados bancários, vigilância discreta. Só depois de reunir indícios convincentes é que se solicita a medida invasiva.
A visita, portanto, costuma ser cirúrgica. Ao mesmo tempo, serve como gatilho para novas técnicas: interceptações telefônicas iniciadas minutos antes, ação controlada para observar o destino dos ocupantes tão logo a polícia se retire, e por aí vai. É um xadrez que exige contra‑jogo estratégico.
Celulares: entregar ou não entregar a senha?
O smartphone guarda a vida de qualquer pessoa e, no processo penal, converte‑se em cofre de provas. A legislação garante o direito ao silêncio digital: você não é obrigado a fornecer senhas. Entregá‑las significa franquear conversas arquivadas, fotos, localização, arquivos em nuvem — inclusive itens apagados que podem ser recuperados.
Recusar a senha não configura obstrução, mas força o Estado a adotar vias legais de extração de dados, sob supervisão judicial. Esse intervalo é precioso para a defesa impugnar excessos e delimitar o que pode realmente ser usado como prova.
O que não fazer
- Hostilizar policiais: reação agressiva vira notícia‑crime instantânea.
- Mentir ou “prestar esclarecimentos” sem orientação: cada palavra vira peça de lego na investigação.
- Ocultar objetos: cria flagrante e fratura a credibilidade da defesa.
A postura recomendada é simples: educação firme, silêncio técnico e cooperação dentro dos limites da lei.
O papel do advogado no local
Chegando ao endereço, o defensor verifica a autenticidade do mandado, impede buscas além do permitido, certifica‑se de que mídias apreendidas sejam lacradas, requisita cópias integrais dos autos e documenta cada passo. Esses registros alimentam futuras exceções de ilicitude ou pedidos de restituição de bens.
Mais importante ainda, o advogado serve de escudo emocional: comunica‑se com a equipe, evita discussões desnecessárias e orienta o cliente sobre o momento certo de falar — se é que deve falar.
Conclusão: serenidade é estratégia
Em síntese, receber a polícia às seis da manhã é traumático.
NUma operação de busca às seis da manhã assusta. Contudo, compreender o alcance do mandado, acompanhar cada gesto dos agentes e falar apenas sob orientação convertem um episódio traumático em procedimento controlável. A Lucchesi Advocacia sustenta‑se em técnica, experiência e discrição para proteger os direitos de quem, muitas vezes, sequer entende o motivo da investigação. No direito penal, serenidade não é fraqueza: é arma de defesa.
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