O paradoxo do reequilíbrio: quando o aditivo salva o serviço e acende o risco penal

O aditivo contratual para reequilíbrio econômico-financeiro existe para preservar a equação do contrato administrativo e assegurar a continuidade do serviço. Licitações por menor preço ou melhor técnica, pregões e registros de preços, dispensas e inexigibilidades convivem com realidades que o edital não antecipa: áleas extraordinárias, oscilações severas de insumos, reprogramações legítimas de escopo decididas pela própria Administração. O remédio é o reequilíbrio — recompor a balança para que o contratado nem enriqueça sem causa nem opere no prejuízo. O paradoxo está em outro lugar: justamente por tocar preço, escopo e cronograma, o aditivo que mantém o serviço de pé costuma ser relido, anos depois, como “prova” de favorecimento, sobrepreço ou conluio, sob novas agendas políticas e reputacionais.

Reequilíbrio: remédio do contrato, gatilho de controvérsia

O exemplo paranaense das concessões rodoviárias é ilustrativo: para conter tarifas, reduziram-se obrigações de melhoria e preservou-se a conservação. O desenho atendeu, naquele momento, à equação econômico-financeira. Mais tarde, a percepção pública de tarifa “alta para pouco” reacendeu a disputa e alimentou investigações — inclusive contra quem não havia firmado certos aditivos. Dinâmica semelhante aparece em saneamento (choques de reagentes e energia que exigem reprogramação), resíduos sólidos (variação de massa coletada e logística), iluminação pública (migração para LED com reprecificação de CAPEX/OPEX), transporte urbano (queda abrupta de demanda e gratuidades supervenientes) e saúde (pressões inflacionárias e novas exigências regulatórias). Em todos, decide-se para o serviço não parar; no futuro, cobra-se que a decisão resista à leitura penalizada.

Quando a balança gira contra quem decidiu

A administrativização do Direito Penal adensou as bordas entre incumprimento regulatório e ilícito criminal. O que era discussão de engenharia de custos passa a ser lido com as lentes de dolo, vínculos associativos e vantagem indevida. Mudanças de governo alteram o referencial de “prudência”; órgãos de controle julgam o passado com padrões de integridade do presente; manchetes colonizam processos. O dirigente, então, precisa provar por A+B que a decisão tinha base técnica, amparo jurídico e trilha de auditoria — não apenas que “parecia razoável”.

Método, mérito e narrativa: o tripé que protege decisões legítimas

A prática em defesas de empresas e agentes públicos mostra que sobrevive quem cuida de três planos desde a origem. Método: processo decisório previsível, papéis definidos, atas que registram alternativas consideradas e recusadas. Mérito: dossiê econômico sério — séries históricas, benchmarks públicos, cotações independentes, metodologias replicáveis — e pareceres que enfrentam os pontos controversos. Narrativa: linguagem técnica, limpa de atalhos e dissociada de intermediários políticos; comunicação pública factual quando necessária, sem quebrar a cadeia de custódia documental. Onde esse tripé está presente, há contraprova; onde falta, instala-se a suspeita.

Como decidir hoje para resistir amanhã

Reequilíbrio não se improvisa. As matrizes de risco precisam ser vivas, com gatilhos claros sobre quem suporta o quê; o pedido deve nascer de estudos replicáveis, não de retórica. A negociação técnica corre em um trilho; a relação institucional, em outro — e ambos se encontram apenas no que é registrável. Sempre que possível, parecer jurídico do concedente e análise econômico-financeira independente devem dialogar, e não se ignorar. Mudou o governo? Muda-se o rito, não a prova: reconstrói-se a cronologia, abrem-se as planilhas, explica-se a metodologia. Se houver ruído, conduza investigação defensiva para ordenar evidências, preservar mídias e fixar a linha do tempo.

Para protocolos práticos em eventos críticos, veja: guia de busca e apreensão: o que fazer e o acervo de governança do IBGC.

Um caso em que a prova venceu o ruído

Numa concessão de saneamento, a elevação combinada de energia e reagentes tornou inviável a curva de universalização. Antes de protocolar o pedido, a concessionária montou um book técnico com séries oficiais, auditoria independente, cenários tarifários e medidas internas de eficiência. A matriz de riscos já previa a álea extraordinária; o concedente emitiu parecer jurídico enfrentando limites legais e alternativas de mitigação. O aditivo saiu com justificativa pública e cláusulas de revisão. Meses depois, o tema chegou ao parlamento local: abriu-se a documentação, cronologia e dados. Não houve investigação penal. O que protegeu a decisão não foi retórica — foi prova organizada.

Ao que interessa: preservar o serviço sem expor pessoas

O reequilíbrio é ferramenta legítima de governança contratual. Torna-se risco quando faltam método, mérito e narrativa. Se a sua empresa está às voltas com aditivo sensível — ou herdou um histórico controverso —, comece hoje revisando a prova e reconstruindo a cronologia, com laudos independentes e trilha decisória íntegra. É assim que se preserva o serviço, se protege a administração superior e se impede que o remédio de ontem seja lido, amanhã, como problema criminal.

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