Ao tomar posse como Ministro da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro anunciou sua intenção de encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei anticrime, com muitas propostas aparentemente “simples” para enfrentar o que ele chamou de “pontos de estrangulamento do Sistema de Justiça Criminal”. Uma destas propostas é a inclusão do modelo de plea bargain no Brasil.

Em tradução literal, plea bargain significa a negociação da postura do acusado. Nos Estados Unidos, após a acusação formal, o processo criminal se inicia questionando ao acusado qual é a sua postura perante a acusação, podendo ele se autodeclarar inocente ou culpado, ou então declarar que não deseja contestar a acusação (plea of nolo contedere). Esta declaração formal é a chamada plea, que demonstra a postura que será adotada pela defesa, de resignação ou de enfrentamento. Se o acusado se autodeclarar culpado, a pena pode ser imposta sem a necessidade de julgamento.

Como os processos com guilty plea são muito mais rápidos e menos custosos para a acusação (e também para a defesa!), evidentemente os promotores preferem sempre que os seus acusados se declarem culpados, e estão dispostos a oferecer benefícios em troca. É deste mútuo interesse que nasce a possibilidade de negociação da declaração, ou plea bargain. Em troca do não enfrentamento pela defesa, a acusação pode oferecer diversos benefícios ao acusado, como penas menores, saídas antecipadas da prisão e até mesmo alteração do conteúdo da acusação, mudando o crime imputado. A grosso modo, por exemplo, se alguém for acusado de corrupção (pena: 2 a 12 anos) e lavagem de dinheiro (pena: 3 a 10 anos), pode se declarar culpado apenas por corrupção, comprometendo-se a cumprir uma pena mínima de 4 anos, em vez de correr o risco de receber uma pena mais alta caso venha a ser condenado.

Há diversos interesses em jogo em uma negociação como essa, havendo sempre uma análise de custo-benefício para a acusação, ao propor o acordo, e à defesa, ao aceitá-lo. Mas o mais importante é que isso nunca é feito às cegas. A acusação tem o dever de sempre mostrar todas as suas provas para a defesa. Quando a quantidade de provas é avassaladora, um acordo é muito bom para a defesa, pois a condenação é bastante provável, mas certamente os termos do acordo não serão tão lenientes. Quando o bojo probatório é frágil, diante do risco de absolvição, os acordos costumam ser “melhores” para a defesa.

Esse modelo negocial poderia ser adotado no Brasil? Certamente dependeria de diversas adaptações à nossa realidade social e jurídica. Primeiramente, e mais importante, dependeria de uma mudança de postura do nosso Ministério Público, que estaria compelido a sempre abrir o teor de uma investigação à defesa do acusado antes da celebração do acordo, para que este pudesse avaliar com segurança quais seriam as provas de sua culpa. O modelo de plea bargain é incompatível com o “dilema do prisioneiro” que tem se mostrado muito eficiente para obter colaborações premiadas: “o primeiro que me trouxer informações que eu ainda não tenho, ganha o benefício”, parece ser o mantra mais comum da investigação criminal contemporânea.

Enquanto o Ministério Público seguir jogando pôquer, com todas as cartas bem escondidas na mão, o plea bargain nunca será possível no Brasil.

Guilherme Brenner Lucchesi
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