A Operação Carbono Oculto chamou a atenção pela dimensão dos bloqueios de bens e valores, mas um efeito colateral importante precisa ser discutido: é possível que terceiros de boa-fé, sem qualquer relação com o PCC ou com os investigados, tenham recursos de sua titularidade indevidamente atingidos pelas medidas cautelares. Nesses casos, a legislação processual penal oferece um caminho específico para reverter os bloqueios e recuperar valores de origem lícita: os embargos de terceiro.
O que está acontecendo agora: a Operação Carbono Oculto
Deflagrada em agosto de 2025, a Operação Carbono Oculto mobilizou mais de 1.400 agentes públicos em oito estados, cumprindo 350 mandados de busca e apreensão e bloqueando bens que somam mais de R$ 1 bilhão.
Segundo a Receita Federal e a Polícia Federal, o caso envolve um suposto esquema bilionário no setor de combustíveis, com adulteração, importação irregular de insumos e sonegação fiscal. Estima-se que o grupo tenha movimentado R$ 52 bilhões em quatro anos.
O ponto que mais chama atenção é o uso de fintechs e fundos de investimento. De acordo com o G1, as fintechs funcionavam como “bancos paralelos”, permitindo que grandes quantias em espécie fossem depositadas e rapidamente transformadas em transferências eletrônicas pulverizadas, aplicadas em fundos multimercado ou justificadas por contratos fictícios. Esse fracionamento dificultava o rastreamento e dava aparência de legalidade a recursos de origem ilícita.
Esse tipo de atuação mostra como o crime organizado consegue se infiltrar em estruturas empresariais regulares para dar suporte às suas atividades financeiras. Já tratamos desse fenômeno em outro texto, em que explicamos como reagir à infiltração do PCC em empresas
No caso, uma única fintech teria movimentado, sozinha, R$ 46 bilhões entre 2020 e 2024. Já o Valor Econômico destacou que, na Avenida Faria Lima, em São Paulo, foram cumpridos mais de 40 mandados, atingindo instituições como o BK Bank e a Bankrow Instituição de Pagamento. Trata-se de empresas formalmente constituídas, o que reforça a sofisticação da operação: instituições regulares sendo, supostamente, cooptadas para dar roupagem legal a fluxos financeiros ilegítimos.
Em suma: as fintechs teriam criado uma camada de blindagem entre o dinheiro ilícito e o mercado formal, operando fora do radar dos mecanismos tradicionais de controle.
Não é novidade: o caso 2GO Bank na Operação Hydra
Esse tipo de investigação não é inédito. Em fevereiro de 2025, a Polícia Federal deflagrou a Operação Hydra, que mirou as fintechs 2GO Bank e Invbank, sob acusação de movimentar recursos vinculados ao PCC.
Segundo a CNN Brasil, a investigação apurou a lavagem de R$ 6 bilhões em operações financeiras que simulavam legalidade. A apuração ganhou ainda mais notoriedade porque teve origem na delação de Vinícius Gritzbach, empresário do setor financeiro, que revelou o papel das fintechs no esquema. Pouco depois, em novembro de 2023, Gritzbach foi executado no Aeroporto de Guarulhos, o que trouxe dramaticidade e urgência à apuração.
No caso do 2GO Bank, o G1 relata que a fintech atuava como intermediária em pagamentos de casas de apostas e corretoras de criptomoedas, transformando depósitos em espécie em transferências digitais pulverizadas. Além disso, buscava visibilidade institucional com parcerias no esporte: a Máquina do Esporte revelou contratos com o Esporte Clube Vitória e com a Torcida Independente do São Paulo Futebol Clube, ampliando sua inserção social e reforçando a aparência de legitimidade.
A Invbank, por sua vez, teria firmado contratos fictícios com construtoras, usados para “esquentar” capital ilícito como se fossem pagamentos legítimos por serviços de engenharia.
Como consequência, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 27,9 milhões e a suspensão temporária das atividades da 2GO Bank. Isso afetou diretamente não apenas investigados, mas também empresas e pessoas físicas que utilizavam a instituição de forma legítima, por exemplo, para gerir folha de pagamento e fluxo de fornecedores. Muitos desses clientes tiveram de recorrer ao Judiciário para provar a origem lícita dos valores e conseguir o desbloqueio.
O instrumento jurídico: embargos de terceiro
Quando bloqueios cautelares atingem recursos de pessoas ou empresas que não são investigadas, o ordenamento jurídico prevê um caminho: os embargos de terceiro em matéria penal, previstos no art. 130, II do Código de Processo Penal.
Esse dispositivo autoriza qualquer pessoa que, não sendo parte no processo, tenha bens constritos indevidamente, a requerer sua exclusão da medida. É o instrumento que permite ao terceiro de boa-fé provar que o patrimônio bloqueado é legítimo e não tem qualquer vínculo com a investigação criminal.
Para ter sucesso, é fundamental instruir o pedido com documentação robusta que comprove:
- a atividade econômica regular;
- a origem lícita dos valores;
- a ausência de qualquer vínculo com os investigados.
Nos casos relacionados à Operação Hydra, esse caminho já se mostrou eficaz: em situações concretas, o Ministério Público Federal reconheceu a boa-fé de empresas prejudicadas e concordou com o desbloqueio integral dos valores.
Conclusão: a proteção ao terceiro de boa-fé
A Operação Carbono Oculto é de grande repercussão e expõe novamente a fragilidade de clientes e investidores que, mesmo sem qualquer ligação com ilícitos, podem ter seu patrimônio bloqueado em medidas assecuratórias amplas. Mas esse problema não é novidade: casos como o da 2GO Bank já mostraram que há um caminho jurídico legítimo para reverter esses bloqueios.
Na Lucchesi Advocacia, temos experiência concreta em atuar justamente nessa frente: demonstrar a boa-fé do cliente, comprovar a origem lícita dos valores e obter sua liberação por meio dos embargos de terceiro. Se você, pessoa física ou jurídica, foi surpreendido com o bloqueio de recursos em meio a operações complexas, saiba que há saída. Nosso escritório está preparado para analisar seu caso e buscar a liberação de valores que não têm relação com as investigações, assegurando seus direitos e preservando a continuidade da sua atividade econômica




