Quando alguém é citado para responder um processo criminal, surge a pergunta incômoda: “quem eu posso — ou devo — chamar como testemunha?” Este guia reúne as diretrizes que passamos aos nossos clientes. A ideia é simples: testemunha é quem percebeu um fato por qualquer sentido (visão, audição, olfato, tato ou paladar). Não precisa ter presenciado o “fato sob apuração”; basta ter percebido um fato relevante para a resolução do caso — inclusive indícios que, encadeados logicamente, ajudam a provar outro fato relevante.
Testemunha ocular x testemunha indireta: valor está nos fatos, não no rótulo
“Testemunha ocular” não é sinônimo de testemunha “melhor”. O que vale é pertinência ao tema de prova: quem viu/ouviu a reunião, quem checou o procedimento, quem acompanhou a dinâmica do local — tudo isso é útil. No âmbito empresarial, por exemplo, a testemunha que explica o fluxo de aprovação pode ser decisiva mesmo sem estar presente no ato sob investigação.
Estratégia: quais fatos a defesa quer ver provados (sem inverter o ônus)
A defesa não tem o dever de provar inocência — nossa linha técnica reforça a precisão narrativa, a a arte de não ir além. Ainda assim, há fatos ignorados ou duvidados pela acusação que vale iluminar: como a empresa funcionava, quem decidia o quê, quais controles existiam. Mapeie o tema de prova e, para cada tema, quem percebeu o fato.
Exemplos práticos: empresarial e ambiental — quem ouvir
A empresa seguia as regras? Ouça quem percebeu fatos de governança: responsável por políticas e treinamentos, auditorias internas, registros de aprovação, compliance e fluxos de decisão.
Em um caso ambiental, por exemplo, de acusação de desmatamento: quando a controvérsia é se a área não era mata em regeneração, atestam engenheiro florestal, técnico responsável, fiscal que lavrou o auto e vizinhos que acompanharam o manejo. Com os depoimentos corretos, é possível demonstrar que a vegetação cortada não era mata em regeneração.
Credibilidade: proximidade não impede — mas pesa
Parentes, amigos próximos e subordinados podem testemunhar; a questão é a credibilidade aos olhos do juiz. Se forem os únicos que perceberam certo fato, melhor alguém próximo do que ninguém. Evite, porém, testemunhas “abonatórias” (só para dizer que o acusado é “boa pessoa”): em regra, agregam pouco. Foco em fatos — o que o acusado fez (ou jamais fez). Em casos domésticos, pessoas próximas costumam ser essenciais para descrever ânimos e rotinas.
Prazos e logística: 10 dias para arrolar — e prepare-se para levar
O rol de testemunhas vai na primeira defesa, em regra 10 dias após a citação. Por isso, procure um advogado criminalista imediatamente ao ser citado: é nessa janela que se define o que provar e quem ouvir. Sobre logística e comparecimento, julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal concentraram oitivas e exigiram organização das partes para apresentação de testemunhas no dia. Isso pode acabar refletindo em outros processos criminais no país.
Entrevistar não é “ensaiar”: seriedade com o que a testemunha sabe
É lícito entrevistar a testemunha antes da audiência para entender o que percebeu e planejar perguntas. Jamais deve ser ditado a ela o que “deve dizer”: além de antiético, isso é crime. O papel da defesa é clarear fatos, não fabricá-los.
Boa estratégia → boa instrução → melhores resultados
Processo bom se vence na instrução: um rol de testemunhas estratégico, focado em fatos observáveis e credíveis, tende a produzir uma instrução tranquila e resultados favoráveis. Técnicas processuais ajudam; mas, no fim, o que pesa são os fatos contados por quem os percebeu — e escolhidos com critério desde o início.