Há exatamente uma semana, investigações conduzidas pela Polícia Civil do Paraná (PCPR) apontam supostas fraudes em licenciamentos ambientais perante o Instituto Água e Terra (IAT). O profissional supostamente responsável já é alvo de investigação, mas, ao que tudo indica, parece ser apenas o começo..
Nesse cenário: quem pode ser alcançado pela investigação?
A Operação de Combate a Fraudes em Licenciamentos Ambientais
Segundo informações divulgadas pelo G1, pela Tribuna do Paraná e pela própria PCPR, as apurações apontam a suposta inserção de dados falsos em declarações autodeclaratórias, resultando em mais de 230 dispensas irregulares e no desmatamento de cerca de 300 mil metros quadrados de Mata Atlântica — o equivalente a mais de 40 campos de futebol.
De acordo com a nota oficial da Polícia Civil, entre as práticas investigadas estariam a apresentação de laudos falsos, uso de documentos de terceiros e omissão de informações relevantes. As supostas fraudes teriam permitido a construção de empreendimentos em áreas de preservação permanente e reservas hídricas, com possível risco a nascentes e ao abastecimento público.
Ética profissional e responsabilidade técnica
A Associação Paranaense de Engenheiros Ambientais (APEAM) emitiu nota pública no dia 2 de outubro, reafirmando o compromisso da categoria com a ética, a fiscalização e a colaboração com as autoridades competentes.
O posicionamento da entidade reforça um debate que não é novo. Ainda em 2014, enquanto gerente jurídico da APEAM, o ora autor (Dr. Igor Rayzel) publicou, em conjunto com a Dra. Amélia Y. Hanai Bortoli, o artigo Responsabilidade Civil e Criminal do Engenheiro Ambiental. O texto chamava atenção, já naquela época, para a possibilidade de enquadramento penal de profissionais que apresentassem documentos técnicos inverídicos, com base no art. 69-A da Lei nº 9.605/1998 — dispositivo que criminaliza a elaboração ou apresentação de estudos, laudos ou relatórios falsos ou enganosos, punido com pena de três a seis anos de reclusão e multa.
Passados mais de dez anos, o alerta permanece atual. O avanço dos sistemas autodeclaratórios de licenciamento e a ampliação das dispensas para atividades classificadas como de “baixo impacto” não colocaram o engenheiro ambiental em posição de vulnerabilidade, mas sim de maior responsabilidade. Esses instrumentos foram concebidos para simplificar o trabalho dos órgãos licenciadores e desafogar a análise de processos rotineiros, transferindo ao profissional técnico a prerrogativa — e o ônus — de declarar a conformidade ambiental da intervenção.
O problema surge quando algum profissional — não se afirmando que seja o caso sob investigação, ainda em fase preliminar, e respeitado o princípio da presunção de inocência — se vale dessa ferramenta para burlar o sistema, suprimir controles técnicos e obter dispensas ou autorizações para intervenções que jamais seriam permitidas sob a análise regular do órgão ambiental. É nesse ponto que o campo da responsabilidade técnica encontra o do direito penal.
Do técnico ao contratante: quem mais pode responder por crimes ambientais?
A depender dos desdobramentos das investigações, o caso pode ir muito além da responsabilidade da profissional técnica, que atualmente é o principal alvo da Polícia Civil. Pessoas físicas e jurídicas que eventualmente tenham se beneficiado das dispensas ou licenças supostamente irregulares também podem ser alcançadas, seja como coautoras, seja como partícipes de condutas ambientalmente ilícitas.
Isso porque, se confirmadas as hipóteses de desmatamento, construção em áreas de preservação permanente ou supressão de vegetação protegida, tais condutas se enquadrariam nos arts. 38 e 38-A da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998).
São delitos autônomos, cuja autoria não se limita ao executor material. Aquele que contrata, financia ou se beneficia conscientemente de um licenciamento fraudulento pode ser alcançado pela investigação, especialmente se houver indícios de que tinha ciência da irregularidade. Em matéria penal ambiental, a coautoria e a participação se expandem para abarcar todos que concorram para o resultado lesivo, ainda que por meio de instigação, omissão ou conivência.
Esse alerta já foi explorado em artigo recente do escritório, O ciclo vicioso das denúncias de desmatamento sem prova técnica. Lá se demonstrou que, embora a persecução penal ambiental demande rigor probatório — especialmente perícia idônea sobre o tipo de vegetação e o estágio de regeneração —, a ausência de prova técnica não impede o início de investigações amplas, capazes de atingir diversos agentes públicos e privados.
Por isso, quem figura como contratante, incorporador, empreendedor ou responsável por obras e empreendimentos licenciados com base em relatórios supostamente falsos deve acompanhar o caso de perto. Em muitas situações, a conduta de quem apenas contratou pode ser interpretada, no inquérito, como indução, auxílio ou adesão consciente à fraude, atraindo responsabilização penal.
E, se confirmadas as irregularidades, a responsabilização não se limita às pessoas físicas. Em matéria ambiental, a pessoa jurídica também pode responder penalmente pelos atos praticados em seu interesse ou benefício, conforme o art. 3º da Lei nº 9.605/1998.
Isso significa que empreendimentos, construtoras, incorporadoras e demais empresas que eventualmente tenham se beneficiado de licenças ou dispensas obtidas por meios irregulares podem ser incluídos nas apurações, sobretudo se houver indícios de que se beneficiaram conscientemente do licenciamento viciado. Esse ponto foi aprofundado no artigo Responsabilidade penal da pessoa jurídica: sua empresa pode ser condenada por crimes ambientais?, que detalha os parâmetros dessa imputação.
A importância da defesa técnica
Casos de supostas fraudes em licenciamentos ambientais costumam gerar efeitos em cadeia: de um único inquérito podem derivar dezenas de investigações secundárias, atingindo profissionais técnicos, empresas e particulares que, em algum momento, participaram do processo de licenciamento.
Mesmo quando a atuação tenha sido pautada pela boa-fé, o simples fato de um empreendimento ter sido licenciado por profissional que passou a ser investigado pode atrair questionamentos administrativos e criminais. É justamente nesse ponto que se impõe a necessidade de uma defesa técnica qualificada, capaz de compreender tanto o funcionamento do sistema de licenciamento quanto os aspectos probatórios e penais envolvidos.
Como já analisado no artigo Licença ambiental vencida é caso de polícia?, nem todo vício formal em procedimento ambiental configura crime — mas a interpretação apressada de autoridades pode transformar uma inconsistência documental em uma investigação criminal complexa.
Por isso, se você é proprietário de um imóvel, construtor, incorporador ou empreendedor cujo empreendimento tenha sido licenciado por profissionais hoje sob investigação, é essencial procurar orientação de um advogado especializado. Somente uma defesa técnica conduzida desde o início é capaz de garantir o respeito à presunção de inocência, delimitar corretamente a responsabilidade de cada agente e evitar que a mera vinculação a um processo de licenciamento se converta em um passivo criminal ou ambiental.
Conclusão
O caso que hoje repercute no Paraná vai muito além do noticiário policial. Ele expõe um ponto de inflexão no modelo de licenciamento ambiental brasileiro: a transferência crescente de responsabilidades para os profissionais técnicos, em sistemas que apostam na autodeclaração e na boa-fé como pilares da desburocratização.
Esse modelo só se sustenta se acompanhado de ética profissional e controle efetivo, dois elementos que caminham juntos. A experiência mostra que, quando um dos lados falha — seja pela omissão estatal, seja pela conduta individual —, o resultado é o descrédito do sistema e a judicialização em massa das atividades produtivas.
Como se alertava já em 2014 no artigo Responsabilidade Civil e Criminal do Engenheiro Ambiental, o compromisso ético do profissional é inseparável da segurança jurídica do licenciamento.
Hoje, com ferramentas tecnológicas mais ágeis e responsabilidades mais distribuídas, esse alerta se renova e se amplia: a confiança pública no licenciamento depende, mais do que nunca, da integridade técnica de quem o executa — e da atuação jurídica pronta e qualificada para garantir que eventuais irregularidades sejam apuradas com equilíbrio, prova e justiça.