Negociar por posições é tentar impor um resultado (“com confissão” / “sem confissão”) e medir vitória pelo tanto que o outro cede. Negociar por princípios — a abordagem de Como chegar ao sim, de Roger Fisher e William Ury e do Program on Negotiation de Harvard — troca rigidez por método: separar pessoas do problema, focar interesses, criar opções e ancorar em critérios objetivos. Quando essa lógica entra na mesa penal, cai a temperatura do conflito, abrem-se caminhos proporcionais e reduzem-se riscos colaterais.
Para quem chegou agora, no nosso texto anterior sobre negociação no processo penal mostramos como comparar propostas com o cenário sem acordo usando BATNA e WATNA — régua simples para saber quando negociar e quando litigar. Vale retomar como referência de fundo. Leia aqui o artigo anterior.
Posições x princípios: o que muda na mesa
Posições: “quero ANPP sem confissão”, “só aceito com confissão integral”. A conversa trava e cada passo atrás vira “derrota”.
Princípios: “preciso proteger reputação e encerrar o caso de forma justa” e “preciso de responsabilização compatível com a prova”. Com os interesses na mesa, surgem caminhos legítimos (delimitar fatos, calibrar responsabilidades, combinar salvaguardas) e critérios para sustentar o acordo.
Os 5 erros mais comuns ao negociar no penal
1) Chegar com a solução fechada
Entrar pedindo exatamente “o seu modelo” é convite ao impasse. Reescreva o pedido como interesse (proteger marca e pessoas; responsabilização proporcional) e leve duas ou três opções que atendam a ambos os lados.
2) Personalizar o conflito
“Fulana está de má-vontade” não resolve. Trate de condutas e evidências, não de pessoas. Troque suposições por descrições verificáveis: “há indícios de falha de supervisão, não de ordem comissiva”.
3) Discutir sem critério objetivo
Barganhar números e condições “no ar” desgasta. Use padrões independentes (proporcionalidade, práticas do órgão, precedentes públicos, políticas internas) e deixe-os escritos no acordo como referência de verificação.
4) Não gerar opções de ganho mútuo
Conversa binária (aceita/não aceita) empobrece. Crie opções antes de decidir: delimitar o escopo fático; avaliar formas de responsabilização (comissiva/omissiva); combinar calendário de cumprimento; pactuar transparência e guarda documental.
5) Ignorar efeitos extra-penais
Focar só em pena/medidas e esquecer reputação, mercado e contratos é erro caro. Integre comunicação, compliance e jurídico: quem acessa a confissão, como o texto será redigido, onde pode circular e quais salvaguardas evitam distorções.
Dica prática: revisar as bases do Program on Negotiation de Harvard ajuda a transformar posições rígidas em combinações de interesses + opções + critérios.
Exemplo real: quando princípios destravam posições
A investigação mirava um fato ocorrido dentro da empresa da cliente. Ela tinha convicção de que não havia cometido crime e recusava qualquer confissão. Do outro lado, a promotora sustentava que não existia ANPP sem confissão. Duas posições firmes. Duas portas fechadas.
Trocamos o eixo da conversa: saímos das posições e colocamos os interesses na mesa. Da defesa: encerrar o caso sem atribuir à executiva uma conduta que ela não praticou e proteger a reputação da empresa. Da acusação: obter responsabilização coerente com a prova e com a função preventiva do acordo.
Com os interesses claros, abrimos opções e buscamos critérios. A prova apontava falha de supervisão — não ordem direta. Lembramos que há responsabilidade comissiva e omissiva. A partir daí, a cliente assumiu responsabilidade omissiva por não ter adotado medidas suficientes de prevenção. O acordo encerrou a persecução, sem confissão de um crime comissivo inexistente, e com salvaguardas documentais e comunicacionais para evitar ruído fora do processo.
O caso não virou por teimosia. Virou porque trocamos o “certo-ou-nada” por interesses bem formulados, opções viáveis e critérios objetivos. Essa é a lógica da negociação baseada em princípios aplicada à prática penal.
O que fica
Negociar no penal não é forçar o mundo a caber na sua tese. É alinhar interesses legítimos e escrever o acordo em cima de opções e critérios que se sustentam. Quando você abandona a rigidez e trabalha princípios, aparecem soluções melhores e mais seguras — para todos os lados.