O mercado de apostas online vive um boom sem precedentes no Brasil. A regulamentação das bets pela Lei n.º 14.790/2023 consolidou um setor que movimenta bilhões de reais por ano e se tornou uma das principais fontes de patrocínio esportivo e digital.
Mas, junto com a expansão, surgem alertas cada vez mais consistentes: as vulnerabilidades desse ecossistema à lavagem de dinheiro. O uso de plataformas digitais, pagamentos transnacionais e parcerias com influenciadores cria um ambiente fértil para a dissimulação de recursos ilícitos — e desafia os instrumentos tradicionais de investigação e compliance.
O mercado de apostas no Brasil: entre a formalização e o risco
A regulamentação das apostas de cota fixa em 2023 marcou um divisor de águas. Até então, o setor operava em uma zona cinzenta — com plataformas sediadas no exterior, mas amplamente acessíveis ao público brasileiro.
Com a nova lei, o Estado reconheceu as bets como atividade econômica legítima, sujeita à tributação e à supervisão do Ministério da Fazenda. Ainda assim, as fragilidades de controle permanecem expressivas, sobretudo no rastreamento da origem e do destino dos recursos.
É um mercado que movimenta bilhões por ano, em grande parte por meio de pagamentos digitais e carteiras virtuais. É nesse ambiente descentralizado, de alta liquidez e baixa rastreabilidade, que o risco de lavagem de dinheiro encontra terreno fértil.
O papel dos influenciadores digitais
O fenômeno das apostas online está profundamente ligado ao marketing de influência. Youtubers, streamers e ex-atletas são só exemplos de profissionais do mercado da influência digital que promovem plataformas de apostas em suas redes, muitas vezes mediante links de afiliação ou bônus de cadastro.
Embora o contrato publicitário pareça simples, ele pode esconder relações de risco penal. O influenciador que divulga uma casa de apostas sem licença, por exemplo, pode responder por publicidade irregular. E, em contextos mais complexos, pode ser envolvido — ainda que de forma indireta — em esquemas de movimentação financeira ilícita.
A remuneração por performance (comissões sobre perdas de apostadores) cria incentivos opacos e pode vincular influenciadores a fluxos financeiros de difícil rastreio. Investigações recentes da Polícia Federal e do COAF já apontaram o uso de contratos de marketing e prêmios digitais como instrumentos de ocultação de valores ilícitos.
Como a lavagem de dinheiro se infiltra nas bets?
O ciclo clássico da lavagem de dinheiro — colocação, dissimulação e integração — adapta-se com facilidade ao ambiente das apostas online:
- Colocação: valores ilícitos são inseridos em contas de apostas ou intermediários;
- Dissimulação: apostas simuladas, transferências entre jogadores e uso de criptomoedas diluem a origem do dinheiro;
- Integração: os recursos retornam ao sistema financeiro como supostos ganhos ou receitas publicitárias.
O uso de empresas de fachada, criptoativos e interpostas pessoas amplia a complexidade investigativa, sobretudo quando as plataformas estão sediadas em jurisdições de baixa transparência.
Estamos diante de uma nova tipologia de lavagem: digital, descentralizada e pulverizada — na qual a fronteira entre entretenimento e criminalidade financeira se torna difusa.
Mas os mecanismos de inteligência investigativa têm evoluído conjuntamente, resultando em diversas operações policiais que levaram à prisão de influenciadores e profissionais que atuam nesse mercado — a exemplo do recente caso de Buzeira, em que a Polícia Federal apontou o suposto recebimento de valores oriundos de esquema criminoso.
Essas apurações demonstram que empresas vinculadas a influenciadores podem ser utilizadas para ocultar a origem de recursos ilícitos, funcionando como intermediárias entre esquemas criminosos e o mercado formal. Em geral, valores provenientes de fraudes, apostas simuladas ou operações ilegais são repassados sob a forma de contratos de publicidade, premiações ou pagamentos de marketing, conferindo aparência lícita ao dinheiro. O uso de camadas empresariais e relações digitais de difícil rastreio torna o processo de verificação contábil e financeira ainda mais desafiador para as autoridades.
O papel do advogado criminalista e do compliance jurídico
Nesse contexto, a advocacia criminal tem papel essencial. O advogado que assessora empresas de apostas, agências de marketing ou influenciadores deve ir além da análise contratual: precisa dominar as tipologias de lavagem no ambiente digital e adotar diligência reforçada em cada relação comercial.
Boas práticas recomendáveis incluem:
- Verificar a licença e regularidade da plataforma antes de firmar parcerias;
- Exigir identificação de beneficiários finais e comprovação da origem dos pagamentos;
- Incluir cláusulas de compliance e transparência em contratos publicitários;
- Monitorar movimentações atípicas e pagamentos em criptoativos;
- Manter registros contábeis e fiscais auditáveis.
No contencioso penal, a defesa deve demonstrar ausência de dolo e separação entre atividades lícitas e fluxos ilícitos.
Compreender a lógica do mercado — suas formas de pagamento, afiliação e repasse — é o que diferencia uma defesa genérica de uma defesa estratégica.
Conclusão
O avanço das apostas online impõe ao direito penal econômico novos dilemas.
A digitalização dos jogos e o protagonismo dos influenciadores criam oportunidades legítimas, mas também novas formas de ocultação de capital ilícito.
Cabe à advocacia — especialmente à criminal — compreender essas dinâmicas, estruturar soluções de compliance e, quando necessário, oferecer defesa técnica e estratégica a quem atua de boa-fé em um setor ainda em amadurecimento regulatório.
O combate à lavagem de dinheiro nas apostas não é apenas uma questão policial: é um desafio jurídico-econômico que exige equilíbrio entre liberdade empresarial, transparência e responsabilidade.
Se a sua empresa atua no mercado digital, de apostas ou de marketing de influência, fale com a equipe da Lucchesi Advocacia para entender como estruturar práticas de compliance e prevenção a riscos penais.




