Tenho escrito e falado muito sobre a Lei Anticrime, desde que ela foi apresentada pelo Ministro da Justiça no início do mês de fevereiro.

Abaixo, um pequeno resumo de um comentário que fiz, destacando as principais mudanças, a meu ver:

A Lei Anticrime

O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná, advogado criminalista Guilherme Brenner Lucchesi, destaca que o anteprojeto de lei anticrime, apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, reprisa, em muitos aspectos, o pacote das 10 medidas contra a corrupção, lançado pelo Ministério Público Federal. Observa que a temática está toda relacionada à alteração de disposições do Código Penal, Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal e outras leis, como as que tratam de organizações criminosas e de crimes hediondos. “A ideia central do anteprojeto é, para dar maior efetividade ao sistema de justiça criminal, retirar importantes garantias que os acusados possuem”, pontua. 

O advogado sublinha que o processo penal é naturalmente uma barreira que se coloca contra a condenação. “Esse é o único propósito do processo penal existir”, ressalta. “Se não fosse necessária qualquer espécie de barreira contra a condenação bastaria que houvesse a aplicação de pena imediata tão logo alguém fosse preso. O processo em si se coloca como uma garantia do acusado, por isso, os atos processuais devem ser praticados de forma regular e perfeita, e tratá-los como formalidades ou gargalos é mal compreender o sentido do processo penal no nosso Estado Democrático de Direito”, salienta. 

Sem novidades expressivas 

De acordo com Lucchesi, o anteprojeto contém pelo menos 19 subprojetos e propõe temas que não são novidades como, por exemplo, a possibilidade de execução provisória das penas e a redução do escopo dos embargos infringentes, “um recurso exclusivo da defesa e que pode ser interposto quando há uma decisão não unânime proferida por órgão colegiado”, explica. Também traz disposições referentes ao confisco alargado, ou seja, na condenação pode ser decretada a perda de bens e valores do acusado, ainda que não haja comprovação de que tenham origem ilícita. “É o condenado que tem o ônus de provar que seu patrimônio é lícito”. 

Os 19 temas tratados no anteprojeto são bastante variados e vão desde questões referentes ao julgamento pelo tribunal do júri, que somente julga crimes dolosos contra a vida (homicídios), e aquelas que diminuem em muito o escopo de alguns recursos como os de sentido estrito e dos infringentes. Lucchesi afirma que as propostas que tratam da legítima defesa podem vir até a criar situações de presunção de legítima defesa que, na verdade, não são. Lembra que a questão da legítima defesa já está prevista no Artigo 25 do Código Penal, sendo desnecessária a previsão de situações específicas para agentes de segurança pública. “Aqueles que já atuavam em verdadeira legítima defesa não necessitavam da regra”, lembra o professor. 

Também traz regulamentação dos presídios federais, das vídeos-conferências e cria uma qualificadora para os crimes de resistência, quando há risco ou morte de agente público que está cumprindo seu dever. No caso da criminalização do Caixa 2 Eleitoral, também presente nas 10 medidas contra a corrupção, estão previstos os whistleblowers, os chamados “informantes do bem”, que podem fazer uma denúncia anônima e receber até 5% do valor recuperado como recompensa. 

Acordo penal 

Lucchesi analisa que a mudança prevista para o acordo penal não se equivale ao plea bargain, instrumento próprio do processo penal americano. Segundo a proposta, depois que o Ministério Público oferece a denúncia existe a possibilidade de o acusado confessar a prática do crime, assumir a culpa, renunciar ao exercício de defesa e aceitar a imposição imediata de pena. Caso o acordo não seja homologado, aquilo que foi confessado não pode ser usado como prova contra o condenado. 

“Nestes aspectos, pode até parecer uma mudança favorável, contudo, é um erro trazer um instituto jurídico americano de um sistema que funciona de forma muito diferente da nossa”, analisa Lucchesi. “A principal diferença é que o plea bargain, instituído nos Estados Unidos, prevê a obrigatoriedade, já no início do processo penal, de se colocar à disposição da defesa todas as provas que tendem a condenar o acusado e também as potencialmente absolutórias. Assim, o acusado pode avaliar bem a situação e escolher exercer a defesa ou aceitar a aplicação imediata de pena”.

Porém, no Brasil, prossegue o advogado, “todos sabemos que a ocultação de provas é muito comum na nossa tradição jurídica, o que não permite que a defesa tenha um mapa claro da situação e também dificulta a decisão do acusado em realizar o acordo”. Lucchesi se coloca diametralmente contra a criação do acordo penal caso não sejam instituídas sanções graves para ocultação de provas. “Esta proposta é perigosa e problemática num sistema de acordo penal com esses resquícios culturais, pois continua incentivando o Ministério Público a esconder as cartas até o fim e aplicar o blefe”, critica. 

Interpretações arbitrárias 

Em geral, o anteprojeto apresenta uma série de defeitos, opção por disposições e termos jurídicos bastante vagos, de conteúdo impreciso e indeterminado, que podem levar, sem dúvida, interpretações arbitrárias. Cita a expressão “criminosos habituais”, que no projeto não está bem definido se é alguém que já foi condenado ou que está sendo acusado diversas vezes. Já em outro ponto do anteprojeto, no caso da execução provisória, o tribunal poderá deixar de decretar a execução provisória caso reconheça haver chance de sua decisão sofrer mudanças mais para frente. “Nenhum magistrado pode decidir em situação de dúvida. É algo totalmente sem sentido”, afirma Lucchesi. 

“O projeto foi estruturado com profundo conhecimento de como funciona na prática o sistema penal brasileiro, contudo, não há muita experiência em técnica legislativa, tornando o conteúdo de difícil operacionalidade”, avalia Lucchesi. Para o professor, agora é necessário aguardar o trâmite do anteprojeto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. “A proposta será amplamente estudada a respeito de sua legalidade e constitucionalidade e estará sujeita a emendas por parte dos parlamentares. O produto final será submetido ao presidente da República, que terá o poder de vetar integral ou parcialmente a proposta”, frisa. 

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Guilherme Brenner Lucchesi
guilherme@lucchesi.adv.br